Se a função de um fotógrafo de viagem é captar imagens que retratam o clima de um lugar, o seu grande desafio é ir além do mero registro documental e buscar imagens especiais, impactantes, que mexem com as pessoas. Muitas vezes a reportagem rende belas fotos mas nada salta aos olhos. Uma dica de fotografia de viagem muito importante é levar em conta três fatores fundamentais: tempo, persistência e criatividade.
O fotógrafo de natureza Araquém Alcântara disse, certa vez, que quando um assunto o interessa ele “batalha” nele o máximo que pode. “Já passei três horas fotografando um sapo. E aí está a grande questão: poucos tem paciência para ficar três horas diante de um sapo. Mas quando olham a foto final do sapo ficam impressionados, sem imaginar que foram necessárias três horas para fazer”, conta. O americano Steve MacCurry, o mais emblemático fotógrafo da revista National Geographic, completou o raciocínio ao dizer em uma palestra em São Paulo que “ninguém é gênio para acertar na primeira fotografia”. A transpiração (literalmente) é o caminho para grandes fotos de viagem.
É muito raro, por exemplo, chegar em um lugar para fotografar uma determinada paisagem no horário exato e nas condições climáticas que você gostaria. A chance de fazer um belo registro aumenta se for possível ir previamente ao local para estudá-lo. É o momento para avaliar enquadramentos, escolher os pontos de onde irá fotografia, e definir o horário, analisando a órbita do sol em relação ao tema com o uso de uma bússola. Pode até fazer anotações em um caderno para não esquecer. Então volta no dia seguinte no horário escolhido já tendo os pontos pré-definidos, sem desperdiçar tempo procurando.
Além disso, quanto mais conseguir permanecer num local específico, seja na natureza ou na cidade, maiores as chances de trazer imagens originais, que fogem do lugar-comum. Conseguirá superar clichês e as imagens prontas, já exaustivamente publicadas em cartões-postais e na internet. Mesmo assuntos superconhecidos, como a Torre Eiffel ou o Cristo Redentor, também podem ser fotografados de formas inesperadas. Basta tempo e ousadia para experimentar novos ângulos, cortes diferenciados. americano Alain Briot, autor de livros sobre fotografia de paisagens, ensina que sempre que está em campo o fotógrafo deve tentar criar algo que nunca fez antes. “Saia da zona de conforto e quebre as regras. Os resultados podem surpreender, vão para ampliar a sua visão e aproximar sua fotografia autoral”, escreveu.
Persistir num tema e reservar tempo a eles não significam fotografar loucamente. Quantidade não faz a qualidade. Araquém contou que percebe um erro comum entre seus alunos de workshops de natureza. “Muitos chegam apressados e saem disparando a câmera antes de mesmo de olhar com calma as cenas diante deles. É preciso calma para perceber. Não basta uma rápida olhada”, disse.
Fotografar não é só uma questão de técnica e equipamento, relaciona-se sobretudo com a “arte do ver”, de prestar atenção nos sentimentos que a cena desperta em você. E então buscar uma forma de transmitir isso na imagem. O mais importante talvez seja o exercício do “não-fotografar”. Porque é durante o não-fotografar que realmente se vê. Com a câmera na frente do rosto o tempo todo, como conseguirá ter um insight, ou perceber detalhes que podem fazer toda a diferença?
Uma dica é trabalhar a lentidão. Gaste mais tempo olhando do que fotografando, relaxado mas atento. As distrações são perigosas. Ficar batendo papo, olhando o celular ou revendo o tempo todo as fotos no monitor da câmera podem prejudicar a concentração. Esteja conectado com a cena, mas de forma leve e tranquila. É o estado de espírito que criatividade gosta de aparecer. Luis Claudio Marigo, outro mestre da fotografia de natureza brasileira, costumava ouvir música clássica no meio da mata para ajudá-lo a se concentrar.
Diante de uma cachoeira, por exemplo, olhe bem, caminhe em volta devagar, sem fotografar e, mentalmente, vai marcando os pontos que gostou. Afaste-se para ver mais de longe, com a cachoeira meio embrenhada entre as folhagens. Vai se aproximando aos poucos. Experimenta um primeiro plano com pedras, veja onde pode colocar uma pessoa próximo da queda d´água para dar noção de escala. Experimenta detalhes e grafismos.
No livro “Histórias de um Fotógrafo Viajante”, Araquém Alcântara escreve que o fotógrafo de viagem deve “caminhar íntegro, quieto, sem nenhuma pressa ou propósito a alcançar, sem necessidade de parecer brilhante, de mostrar que é artista. Só assim terá o olhar livre”. Em qualquer área, um profissional pressionado por resultados e preocupado com que os outros vão pensar apenas repetirá fórmulas já conhecidas e não vai criar nada realmente novo.
Já Steve MacCurry, ao ser perguntado qual era o segredo para conseguir tantas imagens deslumbrantes em suas reportagens disse apenas: “enjoy yourself” (divirta-se). Talvez seja esta a melhor dica de todas. Pois só curtindo a viagem e o trabalho em campo é possível despejar o nível de transpiração necessário. Só assim o fotógrafo vai superar as adversidades, que são muitas durante uma reportagem. É a perna cansada, calor demais, chuva, moquitos atacando, carro que atola, ataque de abelha, comida estragada… Perrengues que poderiam até estragar o dia de um turista comum, mas não de um fotógrafo de viagem que busca exaustivamente captar imagens impactantes e que transmitem ideias e emoções.